quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

ATIROU NA CABA, ACERTOU NA MULHER

O jornalista e amigo Octávio Pessoa enviou ao blog mais uma de suas boas crônicas, com o título acima, que publico com enorme prazer.

Promessa é dívida. Aqui estou prá resgatar o compromisso de contar o causo do candidato nas últimas eleições, que desconfiado da fidelidade de suas “cabas” eleitorais, acabou acertando na mulher dele. Recebi muitos e-mails de curiosos querendo saber quem foi o político. Conto o milagre, mas não digo o nome do santo.

Ele botou na cabeça que era hora de iniciar, prá valer, uma carreira política. Filhos criados, empreendimentos se desenvolvendo, a ele só interessava ser deputado federal, procurando esquecer a tentativa que fizera, tempos atrás de tornar-se vereador, quando, como nessa nova investida, não obteve sucesso.

Foi buscar na Grécia antiga um método infalível que, na avaliação dele, lhe permitiria conseguir os mais de cem mil votos necessários. Acercou-se de sábios, que embalavam suas idéias e o estimulavam a investir maciçamente campanha dele. Segundo ele próprio, o investimento não foi pequeno. Mas teria sido apenas uma ínfima parcela de um grande negócio que fizera. Por isso, tudo o que empregasse na campanha seria pouco, uma vez que ele estava predestinado a redimir o povo paraense de seu estado de miséria, mesmo vivendo em um estado rico. Ele dizia isso, convictamente em todas suas prosas. E o pior, acreditava no que estava dizendo.

Conhecido intelectual paraense, ao saber por sua empregada doméstica do discurso do candidato, comentou que o Dr. Simão Bacamarte, da obra O Alienista, de Machado de Assis, albergaria o candidato, na Casa Verde, da Rua Nova da cidade imaginária de Itaguay, junto a João de Deus, aquele que passou a se sentir deus João e prometia o reino dos céus a quem o adorasse e as penas do inferno aos demais; e daquele que narrava às paredes sua árvore genealógica: “Deus engendrou um ovo, o ovo engendrou a espada, a espada engendrou Davi, Davi engendrou a púrpura, a púrpura engendrou o duque, o duque engendrou o marquês, o marquês engendrou o conde, que sou eu”.

Não tenho elementos nem formação prá concordar ou não com essa tese. O que consta é que o preço da aventura, aliás, da campanha, não foi pequeno. O candidato teria sido visto lá pras bandas de Castanhal, distribuindo pacotes de mil reais a pretensas “lideranças” comunitárias, que estouravam a grana em cachaça e muita curtição. Até encontrar outro bobo, prá repetir a façanha.

Mas ele se orgulhava de haver adestrado muita gente, prá convencer os eleitores de da veracidade de sua promessa redentorista. Além da remuneração em espécie, o candidato fornecia também a alimentação prá sua gente. Alimentação essa feita em sua própria casa, pela abnegada esposa, senhora muito prendada e primorosa nas artes da cozinha. Ele gastava uma grana no atacado e fazia economia de palito.

Talvez por ter recebido alguns “toques", ele passou a desconfiar da fidelidade de suas “cabas” e resolveu apurar a fidelidade das meninas. Como apurar essa fidelidade, era a sua angústia. Ele não podia compartilhar sua agonia nem com a mulher, nem com os sábios que o cercavam. Os sábios eram, a essa altura, todos suspeitos. Depois de muito matutar, uma idéia luminosa acendeu em sua mente iluminada. Passou o resto do dia providenciando os apetrechos e selecionando os locais onde se daria o flagra.
De manhãzinha, sem fazer nenhum barulho, para não acordar a esposa que tinha um dia de trabalho pela frente, saiu de mansinho. Na sala, vestiu o disfarce. Barba e bigode postiços, óculos escuros e chapéu de aba grande, calça, camisa, sapatos, tudo totalmente diferente do que costuma usar. Saiu da garagem com a velocidade que pode.

Estacionou o carro a dois quarteirões do local onde se daria o flagra e dirigiu-se ao ponto em que se encontravam três “cabas” eleitorais, que batiam gostoso papo.

O candidato caminhou em direção a elas e à medida que se aproximava, diminuía o passo, estimulando uma abordagem. Queria ouvir o discurso para o qual elas foram adestradas. E nada. Percebeu apenas um olhar de quem diz: quem será esse doido? Seu humor foi se alterando. Passou uma segunda vez e uma delas ainda lhe pediu um cigarro. Com um brusco grunhido, respondeu que não tinha cigarro. Não queria que reconhecessem sua voz. O sangue lhe subiu à cabeça quando, olhou para trás e viu seus santinhos irem parar na sarjeta. Dirigiu-se a outros pontos de ação eleitoral, repetiu a estratégia e não sentiu nenhuma diferença. Lá pras bandas do Guamá, uma das “cabas” ainda se insinuou prá cima do “desconhecido”, mas doutrinação de redenção do povo paraense ou entrega de santinhos, necas de catibiribaçu, como diria o comendador Mário Sobral.

No final da manhã, retorna para casa com a veia pastora quase prá espocar, de tanta raiva. Da boca uma baba grossa escorria, sujando o bigode que ameaçava cair. Entrou em casa com mais de mil. A esposa, de costas, com a bandeja cheia de quentinhas, com o almoço das meninas, virou-se e caiu desmaiada, tudo indo ao chão, quando ouviu aquele grito estentóreo:

- PAAAAAAAAAAAAAAAARA. Não tem mais comida prá (o resto da frase é impublicável).

Só que o ex-quase redentor do povo paraense esquecera de tirar o disfarce.

Dizem as más línguas que a menstruação da mulher dele “subiu” e só deve voltar daqui a quatro anos, quando ele tentar novamente se eleger deputado federal.

* Octávio Pessoa é jornalista, advogado e auditor federal de controle externo. E-mail: octavio.pessoa.ferreira@gmail.com

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