sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

O ENCONTRO - I PARTE



Íris, Pepê, Dornélio, Bigorron, Océlio e Piteira (fotos 1 e 2) e Sinval (foto 3): encontro de relembranças e muitas reflexões sobre um passado rico e decisivo em suas vidas

Foi, com certeza, o melhor de todos os encontros já realizados pelos ex-seminaristas, apesar da ausência de alguns. Teologia, filosofia, política (mas não partidos), cultura, aposentadoria e planos para o futuro próximo, doenças e providências de saúde e um pouco da história de cada um, desde o recrutamento para a formação ao sacerdócio até o desligamento. Teve de tudo nas conversas, das 16h30 às 23h, ontem, no Bar Palafitas, na Cidade Velha.

Pedro Paulo Souza (Santarém), José Maria Bigorron (Almeirim), Océlio Morais (Monte Alegre), Íris Sousa (Parintins), Dornélio Silva (Santarém), Sinval Dias (Óbidos) e eu, Piteira (Santarém), fomos os presentes. Os ausentes foram Miro Canto (Óbidos), Edinelson (Santarém) e Irmão Marinaldo (Belterra).

As histórias de recrutamento de cada um são as mais variadas, mas todas têm um traço em comum: a intensa religiosidade das famílias e as fortes relações dos pais com os vigários locais, algumas com o próprio bispo. Vários foram coroinhas (acólitos), participaram de grupos de jovens e/ou vocacionais. A exceção se deu com o chupa osso Sinval, que acabou indo para o Pio X por um acidente de percurso.

Uns iniciaram a jornada pelo Seminário São Pio X (Ensino Primário, hoje Fundamental), como o Dornélio, Océlio e Piteira. Deste, as lembranças maiores recordam frei Mauro, reitor, e professora Angélica Paiva, professora de Português, Geografia e Francês, ambos marcantes em nossas vidas. Outros já entraram direto no Tiagão (Ensino Científico, hoje Médio), casos do Pepê e Bigorron. Aqui, a pessoa marcante  a todos foi o padre Edilberto Sena, diretor, polêmico e que gerou sentimentos dos mais diversos entre os seminaristas. Num ou noutro, um patrono, na verdade um pai: dom Tiago Ryan, empenhado pessoalmente na manutenção financeira das duas casas. Pela importância que teve na formação de todos, merece um capítulo à parte.

A chegada a Belém se deu em épocas diferentes, a partir de 1979. Dentre os presentes, Pepê e Dornélio foram os primeiros. Depois vieram Íris, Océlio e Piteira. Sinval não chegou ao Tiagão e Bigoron não passou de lá.

O vestibular para Teologia não passou de uma formalidade, e não exatamente um critério de acesso ao curso no Instituto de Pastoral Regional (Ipar), que funcionava em prédio anexo ao Arcebispado de Belém, na Cidade Velha. O mocorongo Luís Pinto, padre e reitor, foi outro que passou a ter grande influência na vida de todos, mais pela amizade construída com a maioria do que pela autoridade que representava.

Mas, ao longo desse tempo (no meu caso, doze), nem tudo foram flores. Na verdade, todos vivemos conflitos dos mais diversos, mas os de ideologia e os de relação com os superiores foram os mais graves. No Pio X, os problemas maiores foram com frei Mauro. Autoritário e exigente, mas excelente professor de Matemática, foi outro que causou sentimentos diversos. No trabalho de retelhamento de todo o prédio do seminário, em 1975, botou a turma toda pra trabalhar, e até horas de estudo foram sacrificadas para agilizar o serviço. A revolta da molecada foi geral. Naquele mesmo ano, por causa de problemas de indisciplina que tive com frei João Schwieters, por pouco não fui expulso de lá. Mauro e Angélica aplainaram a tensão.

No Tiagão, os conflitos com o padre Edilberto estavam mais relacionados à disciplina exigente que ele aplicava à turma - e disciplina com tudo: com o trabalho, com os afazeres da casa, com os estudos e, principalmente, com a castidade. E, neste quesito, a indisciplina da turma era terrível. E as visitas e outras atividades pastorais da galera nos diversos bairros de Santarém eram motivos para muitas conversas. Mas não me passa pela lembrança um caso de expulsão da casa por esse motivo.

Já em Belém, não se pode dizer que houve conflitos de monta com os superiores, nem com a direção do Ipar nem com os padres que faziam o papel de diretores, os americanos Roberto Miziko e Pedro Amem. Aqui, os seminaristas tinham duas bases: uma no bairro de Batista Campos e outra na Pedreira, e todos gozávamos de liberdade para o trabalho e as atividades pastorais, mas o estudo era a prioridade e exigência maior.

Conflito de verdade tivemos, num primeiro momento, com os seminaristas Barnabitas, congregação que administra a Basílica de Nazaré e que tinha em dom Miguel Maria Giambelli sua liderança maior. A postura ultraconservadora destes gerava desentendimentos com os professores, a maioria de inspiração marxista, e com os demais estudantes. A gota d'água aconteceu no início de 1981, quando a direção da CNBB/Norte II, na época presidida por dom José Patrick, bispo de Conceição do Araguaia, sob pressão de um grupo de bispos conservdores, entre os quais dom Giambelli, resolveu não renovar o contrato dos professores de disciplinas básicas e não teológicas, como Isa Cunha (História), Jean Hebette (Economia), Rosa Acevedo (Sociologia) e padre Bernardo Royos (Filosofia), considerados marxistas e de péssima influência sobre o grupo.

Revoltados, reagimos de maneira inusitada: greve. Clodovis Boff, convidado à época para uma série de cursos e palestras em Belém, inclusive no Ipar, afirmou que era a primeira vez que via uma greve de seminaristas contra seus superiores. A manutenção da decisão da direção da CNBB marcou o início de um retrocesso na postura progressista que a entidade até então mantinha. Anos depois, o curso de Teologia seria extinto.

(Continua)

3 comentários:

Ocelio de Jesus Morais disse...

Destinos cheios de razões e de emoções.

Olha como é o destino. Ou os destinos. Nossos destinos.
Destinos que não imaginávamos em nossas pueris infâncias e adolescências.

Destinos que foram sendo cruzados no interior do coração amazônico (cheio de famílias pobres em cidades igualmente pobres).

Destinos escritos com histórias incríveis.

Lá, nas infâncias e adolesc~encias, destinos reunidos pelas mãos da Igreja Católica que, sob os influxos do Vaticano II (61/62), que rompia com o arcaísmo da Conferência de Medellin (1968) e queria porque queria (porque precisava, para ser historicamente correto) formar clero autóctone.

E lá estávamos nós, meninos amazônicos, (“pescados como homens”) para o projeto futuro da Igreja Católica na Amazônia.

Seríamos os padres dos novos tempos. Aqueles que não celebrariam missas de costas aos fiéis. Nem rezariam missa em latim. Padres que falassem a lígua do pobre. E que vivessem como tal, franciscanamente, como na origem. Ou pelo menos que a opção fosse real. Concreta. Efetiva. De verdade. Como verdade verdadeira.

Então, o destino nos uniu, meus amigos, sob esses influxos: o da reforma da Igreja e da necessidade desta se expandir pela Amazônia (no nosso caso) e como padres amazônidas.

E olha que nem sabíamos disso. Mas o destino é o destino.
Escreve sempre de forma curiosa.
Eu, de minha parte, confesso isso!

O destino nos reuniu e nos colocou frente à frente.
Ora no seminário São Pio X (Santarém). Ora no Tiagão eTiaguinho (Santarém). E mais tarde, nas casas de formação superiores em Belém, onde estudávamos Teologia, no IPAR.

Aqui, já sob os ventos inovadores da Conferência de Puebla (1979). Então, as coisas começaram a mudar.
E os nossos destinos ganharam novas linhas: o movimento político e a atividade pastoral inseridos nas comunidades.

Atividades que se misturavam.

O vetor era a teologia da libertação. E lá estávamos, nós, nas periferias de Belém (cheias de lamas e de ocupações irregulares, sem vida digna) colocando em prática a opção preferencial pelos pobres. Participando de movimentos estudantis e políticos. A ditadura ainda não havia acabado. Ou nos movimentos de jovens e nas comunidades.
Era necessário se inserir no movimento laico como agentes de transformação.
E nós, agora jovens idealistas, estávamos lá, escrevendo páginas de nossas vidas.
E com uma coisa muita legal. Muito especial: nossos destinos cada vez mais entrelaçados.
Agora, não só pela pelos contextos teologais, mas também políticos.
Isso mexeu com nossas mentes. E com nossos corações.
As mentes (ou razões) queriam um Estado Democrático de Direito. Justo e Igualitário.
Os corações eram preenchidos com as paixões e emoções dos sonhos imaginados, mas ainda incertos. Paixões e emoções dantes reprimidas e agora explodindo como um vulcão em chamas.
Tudo era desafiante. Como desafiante continua sendo tudo o que fazemos.
E de tudo que vivemos, pois confesso que vivi (parodiando Pablo Neruda), se não foi possível a concretização do projeto “padres amazônicos” (com nós, pelo menos), dou uma pausa, por ora, para destacar que ficou um grande legado, entre vários outros.
Um legado especialíssimo. Um legado comum: a amizade virtuosa que une fraternalmente até hoje.
Piteira, Pepê, Dornélio, Iria, Zé Maria, Sinval, obrigado pelo especial encontro. Obrigado pela amizade.
Recebam meu abraço fraternal de paz e bem.
Océlio de Jesus Morais

Anônimo disse...

É sabido que todos os presentes ao encontro já deram mais de 50 voltas na bolinha azul em torno da grande bola de fogo. Isso talvez explique a moderação e o tipo de bebida consumida na ocasião - caipirosca e água.

O local aprazível, às margens da baia do Guajará, também contribui para o sucesso da reunião.

Tanta era a vontade de falar que um dos participants precisou ser legitimado como moderador das intervenções. O detalhe é que por diversas vezes ele se esqueceu da função.

O capítulo do recrutamento foi um elemento novo.

Pode-se dizer também que a reunião de amigos se revelou num belo fórum de debates e recordações prazerosas.

Anônimo disse...

Íris Amaral comentou:

Prezado Amigo-Irmão,
Parece coisa do destino, como nos diz o Océlio. Chegamos a Belém em janeiro e novamente nosso melhor encontro até agora em Janeiro a beira de rio guamá como no princípio. Melhor, porque dele brotou não apenas lembranças, mas idéias que podem se tornar realidade se nos dispusermos a colocá-las em prática, como escrever um livro de memórias sobre nossas experiências individual-coletivas, já que apesar de cada um ter trilhado caminhos diferentes, nossa trajetória tem muito em comum -muito mesmo! - como ficou claro no nosso encontro: desde a origem humilde de cada um, o recrutamento da Igreja Católica, até o envolvimento com a questão política...
Mas talvez pelo teor etílico que aumentou gradativamente à medida que nosso encontro foi de desenrolando e se tornando de fato marcante, seja necessário fazer algumas correções nas informações da parte I. Eu, por exemplo, nasci em Juruti/Pa e não em Parintins. Parintins foi apena s uma cidade de passagem para minha família que buscava um lugar melhor para viver e onde os contatos com a Igreja Católica se tornaram vigorosos e marcantes. Foi em Santarém, entretanto, através dos grupos de jovens, que tive minha iniciação (recrutamento) ao Seminário.
Precisamos ainda descobrir por onde andam os outros companheiros de Seminário.
Aqui vai o contato do Cézar: 8859-0880 / 3278-3076(0)?

*Iris Amaral*