Octávio Pessoa *
No dia 13 de agosto de 1987, Belém foi traumatizada com o desabamento do Edifício Raimundo Farias, que matou 38 operários e uma criança.
Em 1990, este escriba e as colegas Arlene Abreu e Márcia Azevedo, fizemos nosso trabalho de conclusão do curso do Jornalismo sobre a situação das vítimas do desabamento do edifício Raimundo Farias, três anos depois. A pesquisa inicial revelou a lerdeza das instituições, o esvaziamento da ação do Sindicato dos Trabalhadores na Construção Civil, o silêncio da grande imprensa. O que nos levou à idéia central do trabalho: a Justiça é um conceito dentro de classe social.
No videodocumentário “Quem é que vai pagar por isso?”, reconstituímos o clima do desabamento do Raimundo Farias, mediante depoimentos de testemunhas da queda do edifício. Os relatos das vítimas são chocantes. Sobreviviam na mais absoluta miséria, com graves problemas físicos e psicológicos, muitos entregues ao alcoolismo. O pecúlio previdenciário rapidamente se acabara. As pensões previdenciárias eram insuficientes para o sustento das crianças, a maioria fora da escola por falta de vaga na rede pública. E, desde que as viúvas, com apoio do Sindicato, acionaram a construtora Marque e Farias, junto com outras empresas e entidades responsáveis pela construção e fiscalização da obra, a minguada cesta básica fornecida pela construtora durante 11 meses, fora suspensa. Todos os segmentos interessados foram convidados a se manifestar no documentário. Foi gritante o silêncio da empresa.
A imprensa, que fez ampla cobertura da retirada dos escombros, nunca foi ao ponto crucial: o procedimento da Justiça diante do fato. Mostramos, no vídeo, que seis meses após a instauração do inquérito policial, o delegado Paulo Tamer concluiu por homicídio culposo, indiciando os proprietários da empresa, Eduardo Marques e Haroldo Farias, o calculista Arquimino de Atahyde e o engenheiro da obra, Paulo Roberto Leão. Mas, em janeiro de 1988, o promotor público Manoel Castelo Branco excluiu da culpa o engenheiro responsável e denunciou à Justiça os proprietários da construtora e o calculista por crime de desabamento. Com a mudança de enquadramento, a pena a ser aplicada, caiu de 25 a 30 anos de reclusão para dois anos de prisão simples e o prazo de prescrição para cinco anos. Sublinhamos em nosso trabalho, que faltavam dois anos para o crime prescrever.
O tempo passou, o crime prescreveu.
No sábado passado, o Edifício Real Class, de 32 andares, desabou, soterrando carros, operários, ferindo vizinhos e transeuntes, repercutindo sobre a estrutura do prédio ao lado, que teve de ser evacuado.
As primeiras notícias quanto ao número de vítimas são desencontradas. Esse número não vem ao caso. Irregular é a presença de trabalhadores na obra, num sábado, duas horas da tarde. Fere a convenção coletiva da categoria. E a obra já fora embargada pelo órgão local do Ministério do Trabalho, a partir do 15º andar, porque o elevador de trabalho não oferecia segurança aos operários.
Para o engenheiro Raimundo Silva, responsável pelos cálculos da obra, falha geológica explicaria o acidente. Segundo outros engenheiros, a afirmação é questionável e induz à falha na etapa fundamental de qualquer obra, a sondagem do solo. É muito cedo para afirmações categóricas. As perícias são imprescindíveis.
Agora, na medida em que fique caracterizada a responsabilidade de quem quer que seja, é necessária a mobilização da cidadania, para que a Justiça aconteça. Usemos as redes sociais para pressionar as corporações interessadas em abafar o assunto, o Ministério Público e o aparelho judiciário.
A mobilização via redes que se formam espontaneamente em torno de uma necessidade coletiva são o motor das mudanças de interesse da sociedade. Vamos evitar a repetição do Raimundo Farias, em que punidos foram os operários. Com a própria da vida.
* Octávio Pessoa - Jornalista e advogado; e -mail: octavio.pessoa.ferreira@gmail.com
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