Faz alguns anos que não acompanho o Círio de Nazaré, em Belém do Pará, onde resido há trinta anos. A última vez foi em 2003, por razões familiares.
Nos anos 80, pelo menos até 1987, a motivação era política, quando realizávamos protestos contra os atos dos governos militares. Então ex-seminarista, e já com uma visão crítica sobre o evento e seus promotores, não mais via nele razões que não fossem predominantemente culturais. No meu caso, cenário político adequado para os protestos contra a Ditadura Militar.
Em 1981, dois padres franceses e 13 agricultores familiares foram presos, no Sul do Pará, acusados de atentarem contra a segurança nacional, e trazidos para Belém, onde foram mantidos presos no I Comando Aéreo Regional (I Comar), no centro de Belém.
Reagindo a mais um atentado contra a liberdade e a democracia (ainda que não vivêssemos em um Estado Democrático de Direito), criamos o Movimento pela Liberdade dos Presos do Araguaia (MLPA). Dele participavam membros de igrejas cristãs (inclusive eu, ainda seminarista), membros de organizações políticas clandestinas ou legalizadas, entidades que lutavam pela redemocratização do País, universitários, professores. Em suma, uma variedade de organizações que tinham em comum a luta contra o autoritarismo e pela redemocratização. A prisão dos padres e dos posseiros do Araguaia apenas criou uma motivação a mais a esses movimentos, que também tinham entre suas bandeiras a luta pela liberdade de imprensa, de expressão e pensamento, pelas reformas agrária e urbana, por eleições gerais, diretas e democráticas.
Naqueles anos, a partir de 1981, passamos a utilizar o Círio de Nazaré como cenário para a propagação desses ideais. Ainda naquele ano, quando organizávamos o primeiro protesto no Círio, a Polícia Federal invadiu a sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB - Regional Norte II), na cidade Velha. No mesmo prédio histórico, anexo ao do Arcebispado, funcionava o Instituto Pastoral Regional (Ipar), a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Fomos flagrados pintando camisas, faixas e outros utencílios que utilizaríamos no protesto. Cinco foram os presos, eu no meio.
Apesar da forte repressão oficial e da vigilância sobre nossos atos, a maioria dos protestos foi bem sucedido. Em 1982, conseguimos entrar com faixas dentro da área do Centro Arquitetônico de Belém (CAN), no momento que a berlinda chegava ao local, e exibi-las ao grande público, mas logo tomadas por policiais militares.
Passados quase trinta anos, e já vivendo sob as asas protetoras da Democracia e usufruindo de seus benefícios, aprecio as belas imagens geradas pelas emissoras de TV que transmitem o evento. São, inegavemente, imagens belas e emocionantes, principalmente dos promesseiros, pessoas humildes e tão fortemente movidas por emoções que o racionalismo e a ciência não conseguem explicar.
Eu, um ateu, não consigo esconder a forte emoção que essas imagens transmitem.
Feliz Círio a todos!
Aqui em casa, o dia será regado a maniçoba e pato no tucupi.
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