quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

ESTATUTO DO HOMEM

Publicado há mais de 45 anos, o Estatuto do Homem, além de muito bonito, representa a utopia que todo homem deveria erguer bem alto como uma bandeira ética, uma referência para si próprio, para seus filhos, para seus amigos, na permanente busca por uma sociedade justa, fraterna, solidária e, agora mais do que nunca depois de Copenhagen, por um planeta mais saudável e por uma humanidade mais solidária.

É hábito que, no último dia do ano, troquemos votos com nossos amigos e familiares. Para muitos não passa de ato de pura gentileza, uma formalidade incorporada em nossos hábitos de boa convivência, uma atitude de urbanidade. Mesmo sendo apenas isso, é uma ação positiva, não há dúvidas.

Relê-lo, ou conhecê-lo, no final de um ano marcado por tantas tragédias humanas, por tantas mentiras e canalhices de nossos governantes (Brasília foi farta em maus exemplos, infelizmente acompanhados de impunidade, e nossos Estados também, inclusive o Pará), pela violência banalizada e impune, pela corrupção que corrói nossas instituições públicas, pela hipocresia que destrói nossas relações e, agora, pelas frustrações em Copenhagen, poderá representar um alento às nossas almas desalentadas, uma fagulha de esperança a reacender em nós o desejo - compromisso, para alguns - de PAZ, SOLIDARIEDADE, JUSTIÇA, RESPEITO AO SER HUMANO E À NATUREZA, ...

Que 2010 seja um período propício a tudo isso, sob o efeito de nossas atitudes.

Boa (re)leitura!

Blog do Piteira


ESTATUTO DO HOMEM

(Ato Institucional Permanente)


Artigo I

Fica decretado que agora vale a verdade.
agora vale a vida,
e de mãos dadas,
marcharemos todos pela vida verdadeira.

Artigo II

Fica decretado que todos os dias da semana,
inclusive as terças-feiras mais cinzentas,
têm direito a converter-se em manhãs de domingo.

Artigo III

Fica decretado que, a partir deste instante,
haverá girassóis em todas as janelas,
que os girassóis terão direito
a abrir-se dentro da sombra;
e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,
abertas para o verde onde cresce a esperança.

Artigo IV

Fica decretado que o homem
não precisará nunca mais
duvidar do homem.
Que o homem confiará no homem
como a palmeira confia no vento,
como o vento confia no ar,
como o ar confia no campo azul do céu.

Parágrafo único:

O homem, confiará no homem
como um menino confia em outro menino.

Artigo V

Fica decretado que os homens
estão livres do jugo da mentira.
Nunca mais será preciso usar
a couraça do silêncio
nem a armadura de palavras.
O homem se sentará à mesa
com seu olhar limpo
porque a verdade passará a ser servida
antes da sobremesa.

Artigo VI

Fica estabelecida, durante dez séculos,
a prática sonhada pelo profeta Isaías,
e o lobo e o cordeiro pastarão juntos
e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.

Artigo VII

Por decreto irrevogável fica estabelecido
o reinado permanente da justiça e da claridade,
e a alegria será uma bandeira generosa
para sempre desfraldada na alma do povo.

Artigo VIII

Fica decretado que a maior dor
sempre foi e será sempre
não poder dar-se amor a quem se ama
e saber que é a água
que dá à planta o milagre da flor.

Artigo IX

Fica permitido que o pão de cada dia
tenha no homem o sinal de seu suor.
Mas que sobretudo tenha
sempre o quente sabor da ternura.

Artigo X

Fica permitido a qualquer pessoa,
qualquer hora da vida,
o uso do traje branco.

Artigo XI

Fica decretado, por definição,
que o homem é um animal que ama
e que por isso é belo,
muito mais belo que a estrela da manhã.

Artigo XII

Decreta-se que nada será obrigado
nem proibido,
tudo será permitido,
inclusive brincar com os rinocerontes
e caminhar pelas tardes
com uma imensa begônia na lapela.

Parágrafo único:

Só uma coisa fica proibida:
amar sem amor.

Artigo XIII

Fica decretado que o dinheiro
não poderá nunca mais comprar
o sol das manhãs vindouras.
Expulso do grande baú do medo,
o dinheiro se transformará em uma espada fraternal
para defender o direito de cantar
e a festa do dia que chegou.

Artigo Final

Fica proibido o uso da palavra liberdade,
a qual será suprimida dos dicionários
e do pântano enganoso das bocas.
A partir deste instante
a liberdade será algo vivo e transparente
como um fogo ou um rio,
e a sua morada será sempre
o coração do homem.

Thiago de Mello
Santiago do Chile, abril de 1964

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