sábado, 17 de abril de 2010

É SÓ UMA COCEIRINHA

Octavio Pessoa Ferreira*

- Fala aí, Fonfon “A mamãe compra roupa prá mim porque ela pode”.

Manuel Fonfon dizia e não entendia a gargalhada dos meninos. Pelas particularidades de sua fala, terminava de ofender a própria mãe.

Ele nasceu com lábio leporino, aquele com uma fenda no meio como o focinho de uma lebre, daí leporino. E só foi operado do defeito congênito, na adolescência. Por isso, ficou com a fala bastante anasalada, razão do apelido Fonfon. E o som de determinadas letras saía prejudicado. O “b” tinha som de “v” e o “p” saía com o som de “f”.

Ele não se importava de ser chamado Fonfon. Mas odiava ser chamado de Pirão. É que a velha Mundica, na sabedoria das avós de antigamente, tinha certeza de que, se o menino comesse farinha seca, corria o risco de se sufocar e até de morrer. Assim, misturava água à farinha e o enchia de pirão, desde criancinha. Era peixe com pirão, carne com pirão, feijão com pirão, macarrão com pirão e até pirão com pirão. Assim, prá curuminzada, ele era o Pirão.

Tanto não gostava do apelido que Fonfon, muito religioso, cometeu um sacrilégio. Ofendeu Cristo, Nossa Senhora e toda a Igreja Católica, de uma só vez. De novo, por provocação dos moleques. Por isso, sua penitência foi atenuada. Apenas cem painossos, quinhentas avemarias e cinquenta salveraínhas.

Era dia da Festa da Padroeira, Nossa Senhora do Carmo. O mundo católico estava na procissão. Fonfon, humildemente, é o último entre os últimos fiéis. Segue cantando todos os hinos, ao seu modo mas contrito e respeitoso. Quando começa aquele “O meu coração é só de Jesus/ A minha alegria...”, ele ouve a provocação: “Fala Pirão”.

- É o c... da mãe! – Repondeu, sem sair do tom.

Na realidade, Fonfon era uma figura afável, de boa paz, tinha a ingenuidade dos puros. Querido por todos, convivia e tirava de letra até as brincadeira da meninada que, na sua imaturidade, não alcançava o preconceito de sua atitude, um gesto condenável que hoje é chamado de bulling ou assédio moral.

Outra tirada que entrou para o folclore parintinense foi a da compra de elástico, no Bazar do Seu Verçosa. O comerciante já se dirigia para apanhar a mercadoria, quando lembra duma pergunta básica, para não cortar produto errado. Vira-se para o salão e flagra Fonfon dando aquela coçada na virilha. Encara o freguês e pergunta-lhe, com o carregado sotaque português, a repeito do elástico: “Ô Seo Manuel, é do roliço ou é do chato?”

- Que é isso, Seo Verçosa. É só uma coceirinha mesmo. – Responde com sua voz mais anasalada do que nunca e roxo de vergonha.

* Jornalista, advogado e auditor federal de contorole externo

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