quarta-feira, 3 de julho de 2019

HIDRELÉTRICAS NO RIO CUPARI: IBAMA OU SEMAS?

Rio Cupari, no oeste do Pará, deverá abrigar 29 pequenas centrais hidrelétricas já inventariadas pela Aneel. A União tudo decidirá sobre as obras, sem que o Estado do Pará e os municípios da região possam interferir ou se beneficiar (Foto: Blog do Manuel Dutra)

Essa disputa entre o Instituto Brasileiro dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a Secretaria de Estado de Meio ambiente e Sustentabilidade (Semas) em torno do direito de licenciar os projetos hidrelétricos do rio Cupari, tributário do rio Tapajós, no oeste do Pará (http://www.ver-o-fato.com.br/2019/07/decisao-judicial-ibama-vai-assumir.html), serve para bem ilustrar uma contenda sobre as concepções de federalismo e, mais especificamente, sobre o modelo criado e adotado pelo País – muito diferente, por exemplo, do federalismo americano.

Sem ainda entrar no mérito sobre os danos ao meio ambiente e os prejuízos à população regional a ser atingida pela execução dos oito projetos iniciais de pequenas centrais hidrelétricas (PCH) – oito de um total de 29 inventariadas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) –, parece-me acertada a decisão do juiz federal Arthur Pinheiro Chaves. Não sou advogado. Não tenho, claro, autoridade para debater ou questionar contendas de ordem jurídica. Acho que o Estado do Pará colhe resultados negativos de sua omissão diante de direitos que lhe foram usurpados desde que o Código das Águas, de 1934, sofreu alterações profundas.

O Código das Águas repartia o uso, exploração e benefícios dos recursos hídricos nacionais entre a União, os Estados e os Municípios, ainda que o domínio destes dois últimos fosse limitado. Mas repartia atribuições e domínios. Já a Constituição Federal de 1988 determina que “São bens da União”, exclusivamente, “os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, ... (Art. 20, III) e “os potenciais de energia hidráulica” (VIII). Creio não haver dubiedade no texto.

A atual CF é de 1988. Seu artigo 20, e particularmente os incisos III, VIII e IX (“os recursos minerais, inclusive os do subsolo”), é altamente nocivo aos interesses de estados que tenham grande potencial hidráulico, como os estados da Amazônia. A CF completou 30 anos. Impressiona que, desde então, nenhum senador ou deputado federal paraense tenha se atentado para o prejuízo que esse texto constitucional causa ao Pará, propondo modificá-lo; impressiona que, no processo constituinte, parlamentares de estados da Amazônia, do Centro Oeste, do Nordeste e Sudeste – a maioria, portanto –, onde estão os rios com maior potência hidráulico, não conseguiram aprovar um texto que garantisse aos estados e municípios compartilhar esses bens. E mais: nenhum dos governadores paraenses eleitos desde então, parece perceber essa necessidade urgente/urgentíssima de se propor uma PEC que altere o texto constitucional, permitindo que estados e municípios possam legislar, licenciar, explorar e fazer gestão desses recursos.

Na segunda-feira passada (30/06), uma delegação de vereadores de municípios da sub-região da Calha Norte, na região oeste, esteve em reuniões com o governador do Estado, o presidente da Assembleia Legislativa do Pará, deputado Daniel Santos, e o coordenador da bancada federal no Congresso Nacional, deputado Eder Mauro. A todos entregaram um documento que propõe uma série de propostas voltadas ao desenvolvimento regional. Entre elas, “Apresentação de Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para alterar o Artigo 20 da Carta Magna nacional, permitindo aos Estados e Municípios compartilhar com a União a propriedade dos recursos hídricos e minerais existentes no Pará e a responsabilidade pela exploração destes, usufruindo de seus benefícios”.

Não é aceitável que apenas vereadores de um dos rincões mais pobres do Pará, mas rico em recursos hidráulicos e minerais, tenham uma visão estratégica sobre a exploração desse patrimônio natural, enxergando-o como elemento indispensável ao desenvolvimento regional. Diante da proposta, o governador respondeu que o Estado tem parlamentares de qualidade, mas em número insuficiente para conseguir aprovar a PEC. Ou seja, não há rios em nenhum outro estado da Nação.

“É preciso alterar o Artigo 20 da Constituição Federal, de forma a permitir que Estados e Municípios compartilhem do direito de legislar, licenciar, explorar e fazer gestão desses recursos. Não é tolerável que se aceite passivamente que a União tudo possa e tudo decida sobre a exploração dos recursos naturais existentes em nosso território. Estes recursos são a principal fonte potencialmente propulsora do nosso desenvolvimento socioambiental", afirma o documento entregue ao governador do Pará, ao deputado Daniel Santos e ao coordenador da bancada federal no Congresso Nacional, deputado Eder Mauro.

Os municípios da sub-região da Calha Norte querem viver esse desafio de ser protagonistas do próprio desenvolvimento, unindo forças com o Governo do Pará, a Assembleia Legislativa do Estado e a nossa bancada federal no Congresso Nacional. Precisamos romper as amarras que mantém o Pará como um estado colonizado e subdesenvolvido. As compensações financeiras que o Pará e seus municípios recebem (Cfem e Cfurh) são de valores irrisórios. Elas mais se parecem aos espelhos e outras quinquilharias doados pelos colonizadores portugueses aos indígenas brasileiros, nos anos 1500, em troca do pau-brasil e do ouro aqui pilhados”, completou.

Os vereadores da Calha Norte voltaram otimistas com respostas que receberam a outras demandas. No dia 24 de julho, na cidade de Óbidos, eles vão criar a Associação das Câmaras Municipais da Calha Norte. Estão decididos a ser protagonistas na política regional e, para isso, querem inverter essa lógica perversa de que a exploração de seus recursos naturais seja razão para mais pobreza e dependência.

O resultado final da  disputa judicial entre o Ibama e a Semas sobre o licenciamento de projetos de pequenas centrais hidrelétricas no rio Cupari, no oeste do Pará, não será diferente do que é Belo Monte: a União tudo decidirá, o Pará e os municípios diretamente afetados não serão ouvidos nem consultados, mas receberão míseros reais a título de Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Hídricos (Cfurh). É o que manda a Constituição Federal e leis subsidiárias. O Pará se conformará com espelhos e outras bugigangas, como aqueles dados aos índios brasileiros, nos anos 1500, pelo pau-brasil e o ouro aqui pilhados. A não ser que proponha uma PEC para mudar as regras atuais.

Fará isso?

Até que isso aconteça, se acontecer, o rio Cupari e a população local já estará, provavelmente, na condição de vítimas, sem que os municípios da região e o Estado do Pará possam dizer ou fazer algo.

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