Acho que conheci o Neuton Miranda por volta de 1980-81, na UFPa, durante as manifestações de repúdio à morte do estudante César Leite, atingido pela bala da arma de um policial federal infiltrado entre os universitários.
No processo de luta dos estudantes paraenses pela meia-passagem nos transportes públicos, no final da década de 70 e início da de 80, o PCdoB teve atuação destacada e, acompanhando seus militantes, lá estava o Neuton. Naqueles mesmos anos, nas intensas mobilizações dos movimentos populares pelo direito de moradia, puxadas pela Comissão dos Barros de Belém (CBB), era comum ver o Neuton acompanhando os militantes do PCdoB envolvidos diretamente no movimento.
Mais tarde, com a prisão de treze posseiros e dos padres franceses Francisco Gouriou e Aristides Camio, no sul do Pará, em 1981, criou-se, em Belém, o Movimento pela Libertação dos Presos do Araguaia (MLPA). Mesmo sendo comunista, lá também estava Neuton, apear daquele ser um movimento político comandado, majoritariamente, por dirigentes cristãos. Eram anos difíceis, aqueles, e Neuton era um dos dirigentes máximos do PCdoB no Estado, junto com Paulo Fonteles.
Não posso dizer que fazia parte do grupo de amigos do Neuton, mas certamente que o admirava. As divergências político-programáticas entre o grupo do qual eu participava - o PCdoB Esquerda, em processo de organização que redundaria na criação, anos depois, do Partido Revolucionário Comunista (PRC) - nos afastavam. Mas era nas manifestações e debates nos diversos fronts da luta política daquela época que costumava ouvir o Neuton Miranda.
Sua fala era mansa, mas firme e convincente. Não era de conquistar público pela fala exasperada, pelo discurso inflamado, mas pelo convencimento e apresentação didática de ideias, ainda que delas discordasse, e isso chamou minha atenção. Chegado de Santarém como seminarista, em 1980, estava acostumado a ambientes mais tranquilos de debates, não afeitos a temas ideologicamente mais radicais, como aqueles propostos pelo partido, mas a forma como os apresentava eram distintos.
O discurso professoral de Neuton, mais parecido ao de um sacerdote e menos ao de um líder partidário - não pelo conteúdo, mas pela forma - sempre chamou minha atenção, mesmo que não concordasse com o conteúdo de alguns de seus temas abordados, conflitantes com meus convencimentos de então.
Relembro esses fatos e situações daqueles anos - algumas datas podem até ser imprecisas - para dizer o quanto lamento a morte de Neuton Mirada. Homem integro, moldado por princípios éticos e políticos inquestionáveis por seus valores, Neuton dedicou parte de sua vida aos movimentos populares e ao próprio partido. Ganhou respeito entre todos justamente por sua postura ética e pela tolerância no trato com os demais grupos políticos da esquerda. A dedicação com que se entregou, nos últimos, à frente da Superintendência do Patrimônio da União e as prioridades que deu às demandas apresentadas por segmentos menos favorecidos da população demonstram a seriedade com que sempre tratou as demandas populares.
A morte de Neuton Miranda deixa órfãos esses movimentos, representa uma perda inestimável à ética na política, à decência e à moralidade públicas.
Que seus camaradas saibam como dar continuidade à sua obra!
Nenhum comentário:
Postar um comentário